quinta-feira, 23 de abril de 2009
Mosaico
Proposta: Fazer um desenho com formas geométricas e colar em cada forma pedaços de papel colorido.
Trabalho de estamparia.
Assim sairam essas estampas que fiz...
Eu, etiqueta
Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-lo por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer, principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mar artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome noco é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
(Carlos Drummond de Andrade)
quinta-feira, 12 de março de 2009
quarta-feira, 11 de março de 2009
Sobre a moda...
Andreana Buest
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Tecnologia do Cefet – PR
Professora do Curso de Design de Moda da UTP
A proposta deste ensaio surgiu durante o período de realização do 18º. São Paulo Fashion Week (SPFW – figura 1), de 14 a 19 de janeiro de 2005, um dos principais eventos de moda da América Latina. Para este trabalho o foco de análise foi desviado para o espetáculo fora da passarela.
Seis notícias (apresentadas no anexo) retiradas de dois sites brasileiros permitiram o início a pesquisa, chamaram a atenção para os lounges, para a importância destes espaços de integração, nos eventos de moda. Assim, o foco deste ensaio está na configuração do espaço externo da bienal e nos lounges da Melissa (marca de calçados) e do estilista Caio Gobbi1, que apresentou sua coleção em forma de instalação e não tradicionalmente na passarela. O ensaio segue com a apresentação do contexto do evento São Paulo Fashion Week e dos lounges acima citados. A análise desses espaços procurou se embasar nas teorias de Edmond Couchot e de Derrick de Kerckhove, a respeito de interatividade e co-autoria, nos conceitos de Guy Debord sobre a sociedade espetacular e de Gilles Lipovetsky e Cleide Riva Campelo sobre o fenômeno da moda.
A proposta deste ensaio é, portanto, se aproximar do tema a ser trabalhado na
dissertação, Desfile de Moda, por meio do espaço montado em torno da passarela. As informações coletadas das reportagens foram agrupadas em três grupos de análise,
que foram denominados: Moda e Tecnologia; Moda e Cultura; Moda, Interconectividade e a questão da co-autoria.
SPFW
"Sempre acreditei que só pensando juntos, e de forma organizada, fortaleceríamos o negócio da moda no Brasil. Um país como o nosso, de proporções continentais, precisava ter um centro de lançamentos para expandir seus negócios além-mar. Precisava mostrar a mesma força e estrutura que outros grandes produtores de moda do mundo".
“A moda consumada vive de paradoxos: sua inconsciência favorece a consciência; suas loucuras o espírito de tolerância; seu mimetismo, o individualismo; sua frivolidade, o respeito pelos direitos do homem”. (Lipovetsky, p. 19)
Segundo Cleide Riva Campelo no livro Caleidoscorpos a moda é uma mídia secundária, que engloba tudo o que é colocado sobre o corpo: ornamentos, pinturas corporais, tatuagens, complementos – o sistema da moda. A mídia secundária amplia a mensagem da mídia primária, o corpo e está ao mesmo tempo sujeita a ele. Sabe-se que o Desfile de Moda promove a universalização do corpo, afastando-o de limites físicos. As imagens corpóreas apresentadas são sustentadas pela tecnologia e constroem narrativas sobre o corpo para estabelecer significações que estejam de acordo com a cultura. È possível perceber em eventos como o SPFW que as personalidades coletivas representantes de segmentos de mercado interpretam, conforme Kerckhove, hábitos de compra definidos por gostos, disposições e atitudes. A organização dos lounges e dos próprios desfiles são organizados nesses segmentos de mercado (público alvo).
Dentro desses segmentos, a imagem corpórea, a estrutura do corpo vestido é manipulada, evidenciando partes mais atraentes do mesmo, eleitas segundo valores estéticos daquele momento. Nesse contexto o que importa é o conceito da marca, que desencadeia um campo de relações e conexões sociais.
A mostra “Olhares do Brasil” é um exemplo da importância do conceito, da idéia de atitude que vai encaminhar todo o evento. Esses espaços paralelos à passarela representam as idéias que criarão as personalidades coletivas que Kerckhove cita. São nesses espaços que se cria a cultura de moda, que coloca frente a frente bonecos gigantes do carnaval de Olinda com animais robóticos, que apresenta cosméticos, ecologia, customização de bolsas, “sandalinhas”, comida, cultura, desenvolvimento sustentável e projeções de filmes e documentários nacionais. Os espaços gigantescos da bienal foram, de acordo com o designer Muti Rabdolph, desconstruídos para recebem os urbanóides, os bichos da cidade, o segmento da metrópole.
O uso constante de aparatos tecnológicos teve grande influência na mudança de comportamento dos indivíduos. A facilidade de utilização e a rapidez das informações na internet permitem que os usuários administrem de forma diferente suas relações pessoais, sociais, de aprendizagem e de trabalho. Os ambientes interativos propiciaram novas situações que transformaram as possibilidades de participação, interferência e expressão dos usuários. A relação usuário / informação / suporte passou a se desenvolver nesses ambientes, permitindo a participação em eventos, experiências de presença e ação à distância.
De acordo com McLuhan “Quando a informação se move a uma velocidade elétrica, o mundo das tendências e dos rumores torna-se o mundo real”. Marshall McLuhan (Kerckhove, p.179). É com base neste conceito que este ensaio pretende analisar os lounges montados no SPFW.
Todo o pavilhão da bienal (quadro 1) foi montado para que se veiculassem as imagens dos desfiles que aconteciam em outro ambiente. Por meio das tecnologias que possibilitam a interconectividade, espaços interativos, telões, vídeos e internet o espectador do SPFW teve a sua disposição a apresentação dos bastidores dos desfiles, imagens ampliadas das principais criações, sons, entrevistas com os criadores, modelos e produtores, etc. De acordo com Muti Randolph, designer responsável pelo visual da bienal, a utilização do computador possibilita a criação de um ambiente interativo, um “universo único, só meu, e que representa bem meu próprio mundo”. Nos eventos de moda procura-se cada vez mais trazer a tecnologia como suporte para a criação do conceito do evento, da roupa, da marca, do artista. Segundo Muti Randolph é preciso “forçar a barra da tecnologia, de expandir os limites”.
No lounge de Caio Gobbi, a maquiagem não está no rosto das manequins, mas projetada “num telão, um rosto de boneca, visto de frente e perfil”. Apresentado a roupa, os acessórios e a maquiagem separadamente, o estilista desfragmentou a percepção do vestir dos espectadores. O observador não percebeu a coleção como na passarela, em movimento, mas estática, porém próxima e acessível. A tecnologia utilizada em ambientes
externos às passarelas é uma nova forma de linguagem de extrema rapidez, que potencializa a velocidade das informações de moda e que modifica a impressão dos espectadores com relação ao desfile em si.
O espaço dos lounges se configurou como um espetáculo à parte, mediado pela tecnologia dos meios de comunicação em massa e que supervalorizam e recriam a aura do desfile em si. Nos lounges acontece, então, a segunda etapa do desfile. A consagração, o recorte dos melhores ângulos, o clima do evento.
Neste contexto, a tecnologia tem o papel de criar a magia, criar o espetáculo fora das passarelas, da mesma forma que um ritual. As representações desse ritual, dos bastidores do evento podem ser consideradas como espetáculo, de acordo com Guy Debord que considera a vida das sociedades como uma imensa acumulação de espetáculos, em que o que se vive se torna uma representação. É no espetáculo que se encontram o olhar iludido e a falsa consciência. O autor explica que o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada pelas imagens e constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade.
O suporte tecnológico utilizado em eventos como o SPFW é a mágica que cria as
representações do mundo (no caso do mundo da moda), colaborando para aumentar e modificar as possibilidades de criação, aprendizagem e experimentação dos espectadores.
É este aparato tecnológico e mágico que Cleide
Riva Campelo descreve como mídia terciária,
responsável pela divulgação das imagens corpóreas
modificadas (figura 4) — a televisão, o cinema, as
revistas, o rádio, a internet, o desfile, etc.
Sabe-se que o Desfile de Moda é apresentado para um público restrito de profissionais, compradores e convidados. Os lounges seriam então uma tentativa de aproximar o espectador da moda? De proporcionar uma mudança de percepção sobre o vestuário? A co-autoria insere o coletivo no processo. Os lounges inserem o espectador no desfile. A presença da tecnologia permite que os espectadores participem da recriação, da reinterpretação, das representações da moda.
A questão da busca frenética pela inovação na moda, assim como na arte, acaba
permitindo a descentralização da criação pelo autor, permite a interferência de outros olhares e interpretações. A tecnologia é o meio que retira do autor a responsabilidade, a individualidade e o papel único. É tênue a linha entre quem é o autor no Desfile de Moda – o fabricante de tecidos? O estilista ou o espectador que vai coordenar a roupa da maneira que lhe convier? Ou é ainda a modelo que a reinterpreta na passarela? Ou o produtor que define as diretrizes de um Desfile? Serão os compradores, fotógrafos, jornalistas de moda que selecionam as roupas que aparecerão na mídia?
Concluindo, este ensaio pretendeu observar o universo dos Desfiles de Moda, utilizando as teorias que estudam as interferências midiáticas, a modificação da relação autor, obra, espectador e as novas representações do vestir trazidas pela tecnologia.
A tecnologia empregada no SPFW disponibilizou acesso a textos, imagens, sons e vídeos de uma maneira instantânea aos usuários, estendendo a percepção e ampliando as ações dos que participam. Procurou-se uma experiência bidirecional individualizada que difere da experiência do telefone e da recepção unidirecional das mensagens da televisão.
Vale finalizar o ensaio com a afirmação de Gilles Lipovetsky, de que “é preciso
redinamizar, inquietar novamente a investigação da moda, objeto fútil, fugidio, contraditório por excelência, certamente, mas que, por isso mesmo deveria estimular ainda mais a razão teórica” (Lipovetsky p.10).
CAMPELLO, Cleide Riva. Cal(e)idoscorpos: um Estudo Semiótico do Corpo e Seus Códigos. São Paulo: Annablume, 1997
COUCHOT, Edmond. "A Arte pode ainda ser um relógio que adianta? O autor, a obra e o tempo real." In A Arte no século XXI: a humanização das tecnologias, org.Diana Domingues, Editora UNESP, São Paulo, 1997.
DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
KERCKHOVE, Derrick de. A Pele da Cultura. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1997
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedadesmodernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
1 CAIO GOBBI Estudou desenho de moda na faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, e estilo na Central Saint Martin´s, em Londres. Ao longo dos anos 90, apresentou desfiles em diversos eventos de moda, ganhou prêmios como o "estilista revelação da noite ilustrada", da Folha de S. Paulo, e conquistou o público clubber do país com suas roupas extravagantes. Em 2000, lançou sua segunda marca, a GOBBI JEANS, junto com a inauguração de sua primeira loja e com as primeiras exportações para os EUA e Espanha. Em 2002, consagrou-se como estilista pioneiro da era virtual no Brasil, ao apresentar sua coleção de inverno através do site da jornalista Erika Palomino. Longe das passarelas, Caio Gobbi também é conhecido por desenhar uniformes para grandes marcas como Yopa, Lancôme, Omo, Brastemp e Vicunha.
2 Paulo Borges, criador e diretor artístico do COMB. Disponível em: http://pphp.uol.com.br/comb/html/